Friday, July 20, 2007

BARREIRAS A VIVÊNCIA DO DISCIPULADO NA IGREJA


Série discipulado.
Heliel Carvalho


Hans Weber comenta sabiamente. “... a descoberta do custo do discipulado frequentemente resulta em declínio do número de membros da igreja; a missão no Novo Testamento não está ligada a estatísticas, mas sim a sacrifícios.” Hans R. Weber

Ao mesmo tempo que a citação acima parece muito pessimista e não verídica, ela tem sua confirmação no discipulado de Jesus (Jo 6.66) e na experiência de muitas igrejas na história. O discipulado exige sacrifício, é como andar na contramão da história, não só da história do mundo, mas também na história da igreja. Visa a mudança do caráter muito mais que só oferecer conhecimento. Altera os valores da pessoa e não somente os costumes. O alvo é impossível simplesmente pela ação humana, pois visa tornar o discípulo semelhante a Jesus (Rm 8.29) e de alguma forma mexe com a estrutura total da igreja.
Tendo em vista as dificuldades enfrentadas nesse processo, analisemos três vertentes principais da resistência ao discipulado. A igreja (eclesiologia), os líderes (pastores e lideres em geral), e o povo (os membros da igreja). Ao fazermos tal análise, objetivamos compreender os mesmos, até, para que não fiquemos decepcionados ao apaixonarmos por um princípio tão cristalino nas escrituras, porém, ao caminharmos para a prática na vida da igreja, podemos encontrar grandes dificuldades de vivenciá-los. O que parece contraditório, visto que se a igreja foi gerada pela Palavra, deveria entender e vivenciar quase que automaticamente esta Palavra. Observemos então.
Primeiro, o sistema da igreja. Sabemos que nos primeiros anos da igreja, esta era extremamente relacional, mantendo um sistema que compreendia o lar e o templo (At 2.46; 5.42 e 20.20). Contudo, com a mudança provocada por Constantino (272-337) por volta do ano 312 d.C, a igreja deixou de ter esses dois braços, “no templo e de casa em casa”, como lugar de reuniões e discipulado. Praticamente a igreja limitou-se a celebrações no templo, inclusive usando velhos templos pagãos. Recebeu do estado alguns benéficos como sacerdote pago, ausência de impostos, entre outros. Daquela época até hoje homens de Deus tentaram mudar esse sistema buscando o retorno da igreja para uma vivência mais informal, relacional e discipuladora. E que para esse fim utilizasse o templo e a casa para reuniões e amadurecimento na fé. Alguns obtiveram mais sucessos (Baxter, Whitefield, Wesley), outros menos (os anabatistas, Lutero).
O fato é que nascemos e fomos educados numa igreja com o sistema de Constantino, apesar de termos uma boa Teologia, a Reformada, ficamos com o sistema Romano. Eis aqui um dos grandes inibidores do discipulado - o sistema - que de alguma forma engessa, valoriza extremamente o templo, o domingo, “o sacerdote”, a religiosidade - aquela formalidade que agrega inúmeros apetrechos a simplicidade da vida cristã, entre outros. Com isso, chegamos ao ponto de cristãos não conceberem que foram visitados se o pastor não esteve presente. Não considerarem o culto como tal, se não for no templo. Considerarem um tremendo desrespeito realizar um jantar da igreja no templo, mesmo que não tenha outro lugar para se fazer. Na verdade, sacralizamos o templo e desacralizamos a igreja (povo). John Oak no Livro “O chamado para acordar o Leigo”, cita Lawrence Richards que diz: “alguns teólogos lamentam que Lutero proclamou o sacerdócio de todos os crentes, mas cerca de 500 anos depois as estruturas das igrejas negam isto”. Nesse sistema que está impregnado em nós é quase automático pensarmos que servir a Deus, seja, freqüentar o culto no domingo e algum outro dia da semana, contribuirmos para a igreja e termos um bom caráter. Discipulado não entra aqui a não ser na idéia de discipulado como a simples transmissão de conhecimento bíblico.
Segundo. Os líderes - tratamos aqui daqueles que de alguma forma estão mais envolvidos no direcionamento e no ministrar a igreja. A dificuldade em pensar no discipulado se dá visto que: 1) é mais fácil preparar sermões e entregá-los no domingo a noite e em algum outro dia da semana, fazendo visitas aos que necessitam do que relacionar com pessoas que como nós tem problemas e dificuldades de relacionamento; 2) é mais fácil ficarmos a uma certa distância das pessoas, não permitindo que vejam nossos defeitos, problemas e também pontos positivos, do que nos envolvermos a ponto de não sermos mais vistos como o “pastorzão”, o “ungido”; 3) é mais fácil convivermos com crentes, e aqui tenho minhas dúvidas se de fato é, em algumas ocasiões específicas do que largarmos nosso estudo, grupo de amigos seletos e demais prioridades, do que envolvermos com não cristãos afim de transmitirmos vida e ao mesmo tempo sermos modelos do rebanho; 4) é mais fácil mantermos uma certa distância dos crentes do que de alguma forma envolvermos em suas vitórias e problemas e ser incomodados pelo Espírito de Deus a repartir nossa vida e pertences com os eles; 5) é mais fácil ficarmos de longe do que arriscarmos a trabalhar pessoalmente com pessoas que não darão frutos e outros no mínimo, como nós, demorarão anos para serem transformados em seu caráter.
Isto posto, penso que estes cinco argumentos são suficientes para mostrar que o discipulado enfrenta barreiras também por parte dos líderes. Para mim, é exatamente aqui que temos a principal barreira. Especialmente se de alguma forma, os líderes ainda não tiveram seus valores mudados, a fim de, moldarem-se aos princípios vividos e ensinados por Jesus.
E por último. Os membros da igreja, o povo. A minha percepção é que temos pelo menos três grupos aqui. A) uma boa parte dos membros ao ouvirem sobre discipulado e as implicações destes chegam a se despertarem e até a ansiarem por viver tais valores, apesar de ainda não entenderem as implicações deste na prática; B) outro grupo fica na espreita, a princípio analisando a vida do proponente destes princípio e ao mesmo tempo suas propostas. Eles até querem, mas tem medo de ser mais uma novidade do pastor. Tem medo de engajar no projeto e daqui a uns 3 a 5 anos, no máximo, o pastor achando uma proposta de ministério melhor deixe a igreja. Do outro lado, acontece também do pastor querer desenvolver um projeto a longo prazo e ser demitido pela liderança desta, por não encaixar “no perfil da mesma”. C) o último grupo são aqueles que não querem saber de nada. Não querem ser incomodados, estão tremendamente felizes com o sistema da igreja – os "3s": salvo, seguro e satisfeito. Qualquer proposta, mesmo que tenha apoio bíblico é visto como “novidade”. Estes chegam a fazer cara feia. Não querem nem ouvir a proposta, não tem coragem de analisar. São aqueles que participam da reunião somente de “corpo presente”.
Somam-se a estes fatores as questões teológicas solidificadas pela mensagem oculta, passada anos a fio: o trabalho que precisa ser desenvolvido (Ef 4.12) é da responsabilidade única e exclusiva do pastor, ou do obreiro(a) pago. O famoso equivoco “clero x leigo”. Assim, muitos membros da igreja por crer desta forma, não se envolvem em nada mais que assistir, e a palavra é esta mesmo, assistir, ao culto e as reuniões.
Agora, gostaria de restringir minha análise a resistência dos dois primeiros grupos do terceiro ítem, ou seja, daqueles crentes que querem apesar de não saberem como se dará na prática e aqueles que estão analisando para ver aonde o processo e proponente quer chegar. A resistência se dará visto que: 1) Vivemos numa sociedade que vive as conseqüências da queda (Gn 3). Desta forma, temos as machucaduras e sentimentos de rejeição tanto de Deus como do próximo. Mesmo que ansiemos por relacionamentos, tendemos a fugir deles. E o discipulado visa exatamente a restauração do estado original o que não é nada fácil e nem projeto humano, apesar deste ter a sua parte; 2) Vivemos numa sociedade que aguçou os resultados da queda. Como? Com as inúmeras separações de casais. Ex-cônjuges agora vivendo sozinhos e por vezes com os filhos destroçados. Com a competitividade acirrada onde se vale pelo que produz e não pelo que é. Assim, se você não tem capacidade de produzir, é descartado. Com a coisificação do ser humano pela mídia e até mesmo com o crescente número de “pastores, bispos e após-tolos” que tem usado o ser humano como trampolim para suas megalomaluquices. Tudo isso, acirra as conseqüências da queda, faz com que na prática pessoas fujam de relacionamentos mais próximos que deveriam ser marcados pela gana de sermos transformados a imagem do Filho de Deus - o carro chefe do discipulado. 3) Além da falta de treinamento, algo que temos muito a aprender.
Eis alguns pensamentos que julgo serem importantes para entendermos as dificuldades de implantarmos um sistema eclesiológico que valorize o discipulado, ou seja, dificuldade na nossa crença, tanto dos lideres como dos liderados (eclesiologia). A dificuldade da nossa liderança, aqueles que deveriam ser os iniciadores na mudança pessoal de valores e consequentemente do processo. E por fim, a dificuldade encontrada pelo nosso povo, a igreja, que enfrenta todas as conseqüências do mundo pós-moderno em que vivemos.
Conclusão. A intenção ao refletir sobre discipulado desta perspectiva é mostrar que o mesmo tem um custo e o mesmo não é baixo. Assim, se quisermos vivenciar e levar a igreja a vivenciar um estilo de vida semelhante a vida de Jesus, precisamos urgentemente calcular o preço (Lc 14.28-35). Contudo, ainda assim, não temos escolhas se Jesus é de fato salvador e acima de tudo Senhor de nossas vidas.

Em outro artigo pretendo mostrar as bençãos da vivência do discipulado.

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